1) Era uma vez uma família

Nova Constelação Familiar em Porto Alegre - setembro de 2108 - informações aqui

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Era uma vez uma família*
Adriane Amaral

                                                                    Para o meu pai!             





Proponho aqui um pequeno exercício... Use a sua criatividade e então tente visualizar uma criança... Tudo começa com ela se levantando de manhã bem cedinho para ir à escola. Ela salta da cama e seu uniforme já está pronto e cheiroso para ser vestido. Enquanto caminha até a cozinha, ouve os sons e sente os aromas vindos de lá. Leite quentinho na xícara, manteiga derretendo sobre o pão que acabou de pular da torradeira. Depois de terminar seu café da manhã escuta: agora vamos escovar os dentes... a lancheira está pronta... não esqueça de comer a fruta, ok? Logo em seguida, entra no carro e é deixada na frente da escola com beijos e recomendações. Quem protagonizou essa cena tão cotidiana ao lado dessa criança? A mãe, certo? Bem, não nos espantaríamos mais ao pensar que pode ter sido o pai.

Essa nova configuração familiar, em que pais criam sozinhos seus filhos, está cada vez mais comum ao redor do mundo. Os motivos que os levam a isso são diversos, e podem ir desde a perda da mãe até a separação do casal. Mas, o que mais tem chamado a atenção dos profissionais que estudam o comportamento humano, é que o número de homens que se propõem de livre e espontânea vontade a exercer esse papel está aumentando significativamente.

O novo modelo de família tem sido objeto de reflexão e estudo da sociedade e o questionamento mais frequente costuma ser: mas será que eles dão conta? A psicologia acabou se aprofundando sobretudo nos estudos relativos ao impacto da presença da mãe no desenvolvimento do ser humano. Mas, e o pai? Afinal, qual é o seu papel?

Estudos recentes trazem dados contundentes a respeito da influência parental, e aquele que costumava ser colocado como o terceiro na relação está ganhando um novo e importantíssimo lugar.

Uma pesquisa revelou, por exemplo, que, durante a ultrassonografia, o feto costuma reagir mais fortemente ao estímulo da voz do pai, aumentando o batimento cardíaco ao ouvi-lo. Outro dado surpreendente é que os homens sofrem alterações hormonais ao saberem que suas esposas estão grávidas, o que acarreta no aumento da prolactina e na diminuição da testosterona, ou seja, eles “engravidam”, sim, com suas mulheres e podem até sentir enjoos, náuseas e desejo de comer algo inusitado.

Além de trazer uma nova visão a respeito dos laços biológicos que unem os pais aos seus filhos desde o período da gestação, esse estudo mostra ainda outras conclusões bastante relevantes. Sabe-se hoje que o estilo de brincar do pai pode ajudar no desenvolvimento dos filhos, uma vez que, em geral, os estimulam a vencer seus limites e a correr riscos, incentivando-os a explorar além da zona de conforto. A pesquisa revelou também que os pais têm um impacto enorme no desenvolvimento da linguagem dos filhos, porque tendem a usar um linguajar menos infantil e mais adulto.

Um dado bastante curioso e que derruba um mito popular é que pais que criam seus filhos sozinhos, ao contrário do que se pensa, costumam estabelecer mais rotina do que as mães, o que desencadeia uma forte sensação de segurança, produzindo filhos mais independentes e maduros. Os estudos demonstram ainda que os filhos cujos pais participaram de seus primeiros anos de vida entram na escola com mais confiança, mostram mais paciência e mantêm mais interesse no que fazem. O impacto dessa presença na fase inicial da vida é tão poderoso que as crianças ficam menos propensas a mostrar comportamento delinquente mais tarde.

Esse dado vem sendo reforçado através de algumas ONGs que trabalham com a questão da violência e vulnerabilidade social de grupos de jovens. Dados estatísticos levantados recentemente revelam que grande parte dos adolescentes infratores não teve convívio com seus pais, sendo que muitos deles sequer os conheceram.

Todas essas questões trazem à tona uma realidade até então pouco explorada pela sociedade... Os pais são tão capazes de cuidar dos filhos tanto quanto as mães, mas de uma forma diferente. Mães não podem e não devem tentar substituir o papel dos pais, bem como pais não podem e não devem tentar substituir o papel das mães. Pais podem, sim, oferecer aos filhos aquilo que sabem fazer de melhor, promovendo sua independência e os estimulando a explorar possibilidades para que possam, assim, entrar no mundo adulto com confiança e autoestima elevada. 

Porém, como tudo que é novo, todo esse processo vai demandar das pessoas uma forte dose de resiliência e, principalmente desse novo pai, um olhar diferenciado sobre tudo aquilo que foi passado até então como correto e seguro. Muitas arestas ainda terão que ser aparadas no que diz respeito a esse novo líder familiar e muita reflexão ainda será necessária no sentido de acolher e apoiar esse novo núcleo que surge.


                                                                                   Adriane Amaral
                                                                                   Psicóloga clínica e escolar

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 * Este texto foi publicado como um capítulo do livro "Filhos do Pai" de Valéria Santoro e Ana Paula Juruema. 

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