6) Era pequena sim, a sereia




Todo mundo sabe que nasce uma sereia quando uma duas-pernas olha o horizonte tocando o mar e, em câmera lenta, chora por um amor impossível. O que ninguém sabe é que uma sereia sentada no rochedo, já sem a sua cauda, não tem mais um lugar para voltar. No mundo dos humanos ela foi rejeitada pelo único elo com aquele povo, o marinheiro que ela salvou do naufrágio. 

No mar, o albatroz não a reconhece sem o furta-cor do seu antigo rabo de peixe. Suas súplicas para a onda grande esmaga-la são em vão. Não se mata uma ilusão senão com a brutalidade da sua verdade.

A história da sereia não é um conto de amor. É um conto de relacionamentos abusivos, no qual uma mulher perde todas as referências que a enraizariam na vida. Se foi estuprada e culpabilizada por quem deveria defendê-la, para onde ela volta? Para antes do estupro ou para falta de um porto seguro?

Se amou e se relacionou com alguém violento, o que ela acha que é amor? Será mesmo que era tesão as transas depois das brigas, ou era medo? Medo de não ter mais para onde ir dentro e fora de si?

Uma sereia e seu rabo de peixe contam duas histórias, uma humana e outra escondida. A feiticeira pediu sua voz em troca das pernas. “Não conte nada a ninguém, vai destruir o casamento da sua irmã.” “Tem certeza ou tá delirando?”. “O que você fez para atrair isso?”. “É melhor não contar nada para ninguém, senão eu te mato”... Ou os pais ficam mudo diante dos relatos de sua filha pequena ou filho.

A história da sereia tem outro fim se ela tem voz, tem irmãs e irmãos e tem para onde ir. 

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